segunda-feira, março 20, 2006

aperto

Olá num dia de aperto de mão no qual a tal cumprimenta os dedos que se abrem em flor e em surpresa de espasmo vêem que nas pontas das unhas se reflecte um olhar terno invertido pela pessoa que aperta do outro lado do braço. Um traço visível possívelmente marcado seria que ao invés de o sorriso ser sempre rasgado até às rugas dos olhos e o aperto ser de força garrida constante perante qualquer situação, antes a mão denuncia o prevaricador de consciência que se afirma pela inconstância da força com que prime a mão que aperta, proporcional ao valor que atribui à peça que chocalha do outro lado do braço que balança consigo, embalado inimigo metódicamente tocado pela mecânica do sorriso macilento que em tónica de cimento fala e diz o que tem de ser o que é. Desenrola-se entretanto um teatro onde cada marioneta é o próprio fio que a sustenta prende e enlaçada em cruz de pau rodopia puxada pela meada entrelaçada que em rolo a enrolava que nem anzol em cana encalhada. Portanto o silêncio pode ser mais que ausência e menos que tudo, o que fica por dizer antes se concretiza na beleza da simplicidade de uma presença subtil, escapulida por funil infiltra-se por baixo das sombras que dançam no solo com suas damas as chamas pavoneadas esgueiram-se malandras por entre meandros ardidos.

domingo, março 12, 2006

"Tirem-me os deuses
Em seu arbítrio
Superior e urdido às escondidas
O Amor, glória e riqueza.

Tirem, mas deixem-me,
Deixem-me apenas
A consciência lúcida e solene
Das coisas e dos seres.

Pouco me importa
Amor ou glória,
A riqueza é um metal, a glória é um eco
E o amor uma sombra.

Mas a concisa
Atenção dada
Às formas e às maneiras dos objectos
Tem abrigo seguro.

Seus fundamentos
São todo o mundo,
Seu amor é plácido Universo,
Sua riqueza a vida.

A sua glória
É a suprema
Certeza da solene e clara posse
Das formas dos objectos.

O resto passa
E teme a morte
Só nada teme ou sofre a visão clara
E inútil do Universo.

Essa a si basta
Nada deseja
Salvo o orgulho de ver sempre claro
Até deixar de ver."

Odes de Ricardo Reis em Obra Poética de Fernando Pessoa

quarta-feira, março 08, 2006



m. direitos de autor copyright judia&co

quando

Desembolsada ausencia figura a tua renumeração tardia envolvida em bruma fria que tarda em chegar. Mordaz a bolsa vazia que faz da cabeça um fosso oco esventrado de um poço de areia ecoado em buraco de ar. Flutuas tu que tens a leveza de um bolso furado nas nuvens mas pesam-te nas mãos os calos de tanto andar a fazer o pino no chão de gravilha derrapada, desgastas as palmas e gastas as pilhas batidas derretidas na ponta da língua palrada no palco percurtido com cajado de madeira densa, o som ecoa por entre as pernas das cadeiras vazias e toda a gente sabe escondida por detrás das cortinas que o espectáculo da vida vai começar.

sábado, março 04, 2006

aquilo

Levas tantas que ás tantas nem sabes às quantas andas. Levas poucas que ás tantas nem andas com tantas que tens. Se tens muitas desvalorizas aquilo a que precisamente deves dar mais valor. Portanto deves ter cuidado para quando levares trazeres sempre daquilo que mais importante se torna.

fim

O fim. Por fim poderá enfim dos escombros erguer-se à altura dos ombros a base apoiada em massa de cal amassada a partir da qual um novo resfolegado princípio folgado poderá emergir.