sexta-feira, novembro 25, 2005

parto

O amor, a cola que nos une, união esboroada em solidão por quem não a escolheu nem assim nasceu, antes na vivência se imiscui na criança que persiste e nunca desiste pois não há maior força que aquela parida da mais vulnerável fragilidade.

quarta-feira, novembro 23, 2005

ciclo

O fim. Esse. Não virá nunca até o tempo jamais se gastar todo esgotado em toda a sua dimensão infinita e não houver mesmo mais nada a fazer com as migalhas perdidas sopradas que restarem por aqui. A dor. Essa não cessará jamais enquanto o tempo todo se perder em o que não é complementação de estrutura psíquica interna formada ao sabor do andar sem pensar e do ir sem ver o tempo chegar. Mas quando ele chega estende a bandeja das migalhas onde já não sobra senão grão de poeira passada de tempo esquecido em fútil chapada de investimentos não complementadores, daí as dores. O princípio. Esse já foi à tanto e já tanto acumula e sobeja na sábia forma da estrutura biológica que obedecer-lhe ao caminho traçado é a questão premente, mas por vezes o dedo torcido apontado mente, o sentimento indica várias vias possíveis caminháveis mas viáveis só uma a correctamente seguida será coroada de glória e é nessa que começa a história, o ciclo, o retorno ao que tem de voltar a ser, pois a glória esbate-se esfuma-se dilúi-se com a suave mas empedernidamente rija constante brisa da lenta passagem do tempo.

quinta-feira, outubro 27, 2005

o pastor

Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer o modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar -se e ser eu, não Alberto Caeiro,
Mas um animal humano que a natureza produziu.

Fernando Pessoa, em " O guardador de rebanhos"

sexta-feira, outubro 21, 2005

miragem

Mira a paisagem abraçada num longo esticar de braços. O peito insufla-se daquela essência do verde que só cheirado se beija. Subido o cone vulcânico dormente em alcova de lava enfim o espaço e a côr em doses de natureza transformada mas mantida. Homens minúsculos seguem o rumo à muito traçado onde o acumulado do que já tanto passou antevê o que para aí vem, empurrado pelo que foi e de olhos colados aos seus, aqueles que o rodeiam o amam e lhe dão sentido. A calma paira em estática ausência de movimento . A ilha um quadro gelado em seu bucólico instante. Transparência de brisa inalada limpa interiores conspurcados de organismo urbano vivido, enchida a bochecha cuspido sem dó o pó dos livros, os pixels televisivos, as teclas de letras gastas e o afecto ondulante em sua inconstância balançante de proximidade e distância, o vai-vem da maré que persegue a lua. Falua, será que um dia a apanha? Se nunca desiste e se persiste em sua demanda infinita, terá algum dia a paz que teimosa teima em furtar da vista o seu direito ao esplendor? E o deslumbramento da beleza da complexidade do universo, quem o afaga, quem o mantém? Ninguém? Mas o verde persiste. E o espaço que ele ocupa no mar que o rodeia. É terra cercada pelo mar da erosão que a consome. Não se rende. Nunca desiste. Persiste em sua demanda e retalia no sangrar tectónico das placas que se movem e empurram a rocha líquida para cima, para onde o mar corrói vulcão, canhão de luta fera bruta range o dente à fúria do mar picado. Por vezes cansada descansa aos poucos avança sem pressa mas sem tempo a perder. Porque perdido o tempo o que restou do momento? Só as sobras das obras que já foram lavadas pelo vento de tudo o que já passou. E o instante de olhada a paisagem voltar à miragem.

terça-feira, setembro 20, 2005

quebranto

Requebra na testa o encanto fugaz de sua passagem nítida desfocado perifericamente todo o espaço que não ocupa, banham-se os lábios no luxo da sua fragância tangível, trinca-se no ar a densidade poderosa de quem borrifa de espuma em carícia de pluma a face de quem a fita: réplicas ondulatórias do impacto surdo da sua chegada ecoam por entre as pernas tremelicantes fraquejadas no estalo da aparição em que nem se viu a mão só a perda de presença do tempo que corre e escorre até que morre nos braços do espaço, não adianta o que digo ou faço, tamanha façanha que fosse seria tacanha prendada no altar da base rente ao pé do pedestal onde se encontra a incognoscível entidade pura segura em sua pose possante de princesa altiva, furtiva lebre campestre esquivada da quase agarrada pata felpuda, saltita e o coração imita em seu palpitar cadenciado o ritmo respiratório fervente de tamanha energia condensada em corpo exaltado de escaldante mulher de mente linda que finda a resistência quebradiça de quem ousa. A porta à muito fechada dobra a custo empenada dobradiça ferrugenta prévia ao óleo da sua chegada que esconde o momento impossível do seu toque inatingível pela potencial volatilidade da calma que ainda não paira .

quinta-feira, setembro 08, 2005

etérea

Abram-se as alas do presente que o futuro é de graça e o sonhado de outrora irrompe em chegada hora de pleno pulmão aberto em espremida consumada ânsia que rebenta em marrada de touro elegante estouro estilhaça dique de contido pressionado deslumbramento jorrado em espampanante dispersão aérea, etérea é a forma que se forma no instante do flash único de carimbado arrepio mnésico remniscente em longo suspiro nos dias de estagnação.

domingo, setembro 04, 2005


s.

reverberante

Saem estufadas do forno as rosadas bochechas suadas de tenra iguaria luzidia de traseiro pomposo, soam as cornetas em toque de levedura fermentada e a passadeira vermelha é desatadamente estendida ao comprido no chão: passos compassados milimétricamente medidos manipulados por imagem de desmesurada altivez pousam os pés que comandam como pena assentada em excessiva leveza, frieza glaciar no olhar fixante no ponto para lá das paredes que não fitam nem ouvem os olhos de quem a vê, reverba sonante uma esfera com foco nela que afecta todos os presentes que ausentes se aninham dentro dela e flutuam tanto mais alto e distantes quanto mais próximas e errantes as mentes partidas passadas sofridas cansáveis dos inapagáveis desperdícios voláteis de oportunidades vertiginosas, pegajosas memórias pretas compostas por óleos petrolíferos persistentes provenientes de cargueiros carregados de cargas gastas de revistas redundâncias recicladas em cíclico perpetuado movimento. Nunca esquecer o momento do deslumbrado olhar descaído perplexificado em estática implosão iminente de diferente que é e toca e ama e rasga a película aderente que cobre o suposto real aparente oficialmente aceite como tal ao perto mas não ao longe onde se vê claro o véu que nos abraça forte de tamanho porte que em dia límpido vestido de azul quando o horizonte se explora fácil de olhos em bico e mão em pala o frágil manto neblinoso nos embrulha em sua fictícia amabilidade e untuoso nos abafa com carinhos a fogueira da vaidade que ao longe ofusca mas em sua busca desenterrei apenas amontoado de lenha húmida e um pacote molhado de fósforos gastos ao lado.

sexta-feira, setembro 02, 2005

chave

O fundo do buraco escondido aconchegado em manta tecida por próprias mãos calejadas desoladas pelo nada que agarram por vezes recebe visitas esquisitas pelo facto de ali estarem e não ao sol onde o calor dos outros que amam emana mais forte. Obrigado pelas visitas.

quinta-feira, agosto 25, 2005


t.

citação

O prazer que tu esperas varia na razão inversa do tempo do esperares. E da inquietação também. Porque quanto mais esperas e te inquietas, menos prazer ele é. Espera-o no infinito para não te inquietares. E que ele seja depois o prazer que fôr. Mas o contrário também é verdadeiro.
Virgílio Ferreira in Pensar

segunda-feira, agosto 15, 2005

silêncio

Os silêncios são das maiores forças do crescimento psíquico. Representam tempos de pacificação, de resolução de conflitos, de reencontro, mas também são espaços de abertura, portas abertas à comunicação e ao preenchimento do que existe à nossa volta. Surpreendem. Marcam. Fazem adormecer, tanto quanto fazem sonhar.
Pedro Strech in Público, retirei do blog Avoid Chaos.

quarta-feira, julho 13, 2005

invariavel

Incómodo inconveniente de insuspeitada ternura carenciada em fervura num copo de água de futura tempestuosidade. Fartura de feira rodada por cantos de todos os mundos, em nosso profundo saber sabores de quem se prova fecundo. Decrépitas e velhas são as carcomidas carcaças dos abutres saciados pela fome dos outros que a aturam ataram atiram ao mar de suor despojos de guerra inglória não há memória de tão esbanjado tempo de vida não partilhado em complementada figura que fura na testa extrai a funesta deturpada imagem de ego arrastado por excesso de tralha pensada que se enreda em enredos diáfanos de emaranhados novelos em nós intrincados. Sós são os cavernícolas amantes da escuridão bafienta de mofo estragado casado com água musguenta afugentada da fonte que a pariu mas nunca a viu escorrida pelos labirínticos tubos de lava gelada desaguados em terras distantes de onde os maiores viajantes jamais ousaram partir. O que à de vir em vindouros dias de ouro passados com aclamada calma de serena passagem onde verdejantes os campos e azuis todos os céus de todos os mundos onde todas as cores cantam e em cada nota um tom de aguarela gorgolejada por gargantas de homens possantes de panças dançantes em festa expectante de tão esperada matança. O porco que fuja senão suja a roupa de quem ainda agora a lavou, limpada a brancura imaculada a frescura espichada de sangue cuspido num último fôlego moribundo de guinchada batalha perdida pela vida, expirada a última brisa dos finais do tempo vivido esquecido sopra o vento em calma constância imperceptível, murmura aprazível aos incautos doces segredos dispersos que escorrem pelas mãos que os vêem mas não os retêm, escapulida areia de ampulheta onde tempo é grilheta que acorrenta a valiosa momentânea qualidade da partilha dos instantes com os outros que cá estavam e que atiram ataram aturam a presença inconstante de imprevisível pessoa. Não é para dizer à toa que por mais que muito doa à que voltar à fundida, complementa coalesce abraça unidade perdida, basta vida que remexe tritura empurra e levanta após sono fundo canta que nem é preciso tanta pois de tão pouco que basta um mais forte empurrão de ir de nariz ao chão que no fecho bem fechado de um corpo já marcado por atiçador em brasa que de forma invariável e por mais que muito afável com benvinda novidade definhada a própria origem de fulcral e bem forjada velha amizade passada integrada em grossa manta de relembrados retalhos remendados recosidos que não podem ser esquecidos pois eles são nós e com eles não estamos sós.

sábado, julho 02, 2005


deserto

conturbação

Passados anos e anos de acumulação de pó, uso e desuso de caneta incógnita em papel escondido sobrevivido às vorazes traças baratas e peixinhos de prata, eis expostas as notáveis peripécias de um jovem conturbado que do fundo de um poço solta eco entoado de contidas maceradas jorradas cambaleando enjôo de ciclicidade: é a épica verdade de transtornada batalha travada à mão de navalha contra ladrão de si próprio. Quem irá ganhar? Poder-se-à apenas perder? Ou será a mera batalha por si, já é em si, a grande vitória.

sexta-feira, junho 03, 2005

convergência

Do lato experimentado apreendido no decorrer pela vida um afunilado caminho em lento ganho de consistência exibe a sua forma. Os anos escorrem e torcidos pingam identidade, o longo caminho tacteado em busca da verdade, os dedos magros de unhas raspados em parede rugosa e fria em viscosa abafada humidade de gruta, aos poucos dissolve-se a bruta amorfização. Ao longe o intangível mostra a sua sombra, o ponto de convergência assume-se como centenas de milhares de pequenas escolhas pontuadas por escassas decisivas opções nem sempre optadas mas dependente de milhões de outras opções de nós não derivadas, das anafadas formas bojudas que se alojam em fundas poltronas pantanosas, esfregadas mãos gordurosas ordenam a estrutura invisível que condiciona as milhares de milhões das acções dos homens. Ao longe já é perto e o cansaço cansou de fincar o destino. Finalmente é dado sentido ao menino só, do dó à paixão pela lacuna, duna após duna o árido deserto é transposto e o núcleo exposto. Engolido o desgosto diferença é agora vantagem investida, merecida vitória de sofridos pesados anos de acartada falha central, a mal aprende-se da melhor forma. A bem o petiz é feliz e na integração delicada enquadra a informação em alegre perspectiva de sol bem esfregado tudo é doirado e reluz ofuscante a lógica brilhante, pois se a estrada flui em direcção a nós próprios jamais a poremos em causa. A náusea vem do forçado equilíbrio insustentável da tristeza do pôr em causa a própria beleza, questionar infinito de criança insatisfeita, amorfo que sofregamente procura a sua forma, existência convergida em simples traços concretos, convergência de mil objectos tocados num ínfimo ponto sólido de luz, converge no ponto final a identidade firmemente adquirida, base sólida de consistente ponto de partida, é-se o que se faz e faz-se o que se pode nesta vida.

terça-feira, maio 17, 2005

leveza

Soltam-se as palavras
Livres esvoaçam pelo espaço
Aberto incerto
Da mente sorridente
.
.
Vidente de boas épocas
Vindouras sonhadas
Intercaladas por premonições
De esoterismo mistificado
.
.
Canções espalham-se entornadas
Por viola atestada de sentimento
Puro cristalino de violento afecto
Projecto partilhado à volta da fogueira
Vontade de beijo dança na clareira
.
.
Queima a madeira do isolado caso bicudo
Crónico afastamento da particular qualidade
Do momento que contudo nunca se repete
.
.
Não faz frete quem ama
Enrola no corpo do outro
Sua a cola que pega na pele
Cega a beleza inverte a tristeza
Não há certeza do amanhã
Não é vã a vida trincada
Saboreado momento indecente
O presente é tudo o que importa?
.
.
Ao fundo uma porta
Aberta incerta da mente
Sorridente esbatida ferida
.
.
Encosta ao toque de leve
A mão feminina requintada
Enche preenche e pinta de côr garrida
A dureza empedernida
De séculos solitários
Mói a rocha dorida
O tocar suave
Não sugere entrave
Erode em areia fina
A má sorte triste sina
De olhar baço sustentado
Peso metálico de ferrugenta solidão
Em vão
.
.
Chegada a água benta
Tudo o que arde cura
E cada segundo perdura
.
.
Furada a casca do calo
Levado na cara o estalo
A vida é fácil o corpo é leve
O ar é fresco e os pássaros da frente
Chilream entre si que tudo passa tudo muda
E nada dura para sempre

quinta-feira, maio 12, 2005

renovação

Uma nova Era emerge após passada eternidade. A Era da morna amenidade da brisa que sopra do norte, da paz densa inspirada de frágil fragrância a princesa do bosque, humilde riqueza de Vida fervilhada em camponesa favorecida por florescidas bastas formas formadas em dias sem pressa por sossego de embalo, cadência campestre dos campos de terra arejada irrigada por água escorrida de calha roubada do rio o fio de caudal, cobiçado pela secura que sufoca a manta de terra de solo ressequido ávido de fluido, o solo sulcado por calos de pesada enxada tombada, rasgada a camada seca de poeira assente em calma aparente. Ao Sol radiante reluz a pele do lagarto que torra o dorso em muro escaldado de pedra à mão empilhada. O tempo pára
e descansa à sombra do chaparro fuma um cigarro e deleita-se no torpor envolvente de um todo ausente. Presentes apenas insectos tacteadores e os calores da envolvência de um universo amado.

segunda-feira, maio 02, 2005

ventre

Imerso em âmnio flutua o feto vagarosamente vestido em sua translúcida figura. Envolto em placenta não sabe o que não inventa, testa o membro recente sem fadiga roça na barriga por dentro, mexe o olhar atento do ente materno que o embrulha. Partido o aconchego de toca protectora e do manto líquido quente que ainda o sente, chegada a frieza do ar que fere o frágil pequeno pulmão, a exposição incubada da sala de vidro fechada, a palmada no rabo sem nada ter de pecado, eis por fim o seio encantado, o leite morno que sai do corpo de onde saído em atraso arrastado. Queria ficar para sempre no seu ventre seguro, não ter de enfrentar este mundo que aturo. No fundo jamais o deixei, continuo imerso no amor da sua presença a seguir o caminho que jorra da ponte por si projectada e a ter veia conectada com panaceia de conselhos protectores contra as dores. Beijo a bela face de quem me pariu mas nunca partiu, quem de mim fez o que hoje me vejo e de futuro prevejo.

terça-feira, abril 26, 2005

Abril

De um passado distante erguem-se os progenitores em reclamado reconhecimento. Apenas pedem o olhar atento de quem lhes deve a vida para uma liberdade em tempos perdida agora presente. Embevecidos humildes pedidos de apreciação de atmosfera purificada de imposta restrição passada onde esvoaçante andorinha errante saboreou seu mergulho marinho em refrescado suado cansaço da luta pelo abraço a cada pedaço de momento vivido. Na memória da prole dos guerreiros sonhadores desvanecem-se agora os princípios construtores pelos quais os jovens ancestrais deram fogo em brasa de si queimando as opressões esfumaçadas em canções de fraterna união num festim de liberdade. Em ambos quaisquer os casos toleram-se quaisquer atrasos pois quem chegou em bonança nunca perdeu a esperança por algo nunca sentido. Mudam-se os tempos mudam-se as cidades e as verdades proferidas por minúsculos habitantes que caminham ofegantes em direcção ao destino que quando for atingido após pausa prolongada uma nova decisão gerará uma outra acção delinear outro caminho.

segunda-feira, abril 18, 2005

corpos no espaço

O espaço circundante que se ocupa de corpos estranhos ao nosso fala amordaçado por murmúrios levemente perceptíveis. Trejeitos de faces felizes comunicam em fundo de sons que colidem em estridente azáfama de manada à solta, pululam membros que descrevem rotas precisas constringidas pelas forças dos outros que os movem na floresta de gente, onde o toque quente de faúlha em brasa encosta roçado por asa e o sorriso esboçado por testa franzida em rosto cansado disfarça contida alegria presente. O espaço ocupante que circunda os corpos balbucia num ritmo próprio as suas cores diversas pintadas em telas onde pàletes de movimentos fluidos coloridos geram situações de arco-íris de próxima distância, onde o desejo guloso espreita de seu reduto aninhado e embasbacado fita o longínquo horizonte onde jazem as naus naufragadas, embarcadas demandas à séculos sonhadas de riscos tomados por estradas de sal temperadas com ocasionais intempérides. Basta de bastardos definhados de olhares esgazeados que em sua desarticulada dinâmica estática poluem e encravam a sequência natural de eventos unificantes que untam as partes colaborantes de amor. Em paz o grupo atento tece a cola que une cimento que os funde na mola que os projecta a um estado maior de ascenção de síncrona sintonia afinada onde cada parcela vê-se articulada e reconhece o encaixe da plenitude do seu meio vital.

quinta-feira, abril 07, 2005

perda

A perda é um microcosmos dorido alojado no fundo sentido da cratera de um projéctil enviado no premir de botão por dedo de quem se ama. Dos risos soltos em dias de primavera lufadas de borboletas pousadas em pétalas saboreiam néctar em bucólico deleite a nudez escorre como leite colina abaixo de braços abertos movimentos certos rola na relva e pasta a frescura que paira no prado. Resta apenas enfeite postiço de máscara de gente cravada no rosto de tom indiferente em corpo colhido por foice afiada: onde está a estrada de simplicidade luminosa em seu portento de luz? Porque deambula a negra solidão de capa preta e capuz pelo obscuro bosque de carvalhos anciãos que ladeiam a berma? Liquefaz-se a dôr e bebe-se de um só trago, amargo travo a tristeza em fineza de boca que sufoca distraída, caída palavra no chão estatela-se de um só estalo.

segunda-feira, abril 04, 2005

o nó

Enrolar o cabelo num ritual refinado de lânguidos movimentos circulares que convergem na elaboração de um pequeno nó. O prazer culmina no instante preciso da concisa dissolução do nó, despoletar de êxtase onde preponderante algo de mais excitante, explode a nua tensão num despejo fluido de um acontece e o Universo resplandece em toda a sua densa congruência unitária. Ambivalência binária de dualismo assumido, reflexão redundante de tanto tempo perdido, o nó compõe o todo como componente integrante da globalidade pensada e sem ele nada faria sentido.

domingo, abril 03, 2005


amanhecer

Desponta ao longe um sol pálido mas força de vigor espelhada nos olhos. Hoje tudo mudou. Hoje impera a leveza a solidez do granito apodera-se do corpo mole e a mente flácida abre o peito cerra os dentes e ergue-se das cinzas fénix indestrutível imparável dirigível em rota de colisão. Nada nem ninguém a mal ou a bem impedirá o ímpeto da poderosa cascata dura que rasga a rocha bruta em forçada erosão e perscruta em minúncia a Terra. Esta guerra não é nova, é o velho caminho gasto pelas solas transeuntes de quem sabe da efemeridade da preciosa viagem.

sábado, abril 02, 2005

poesia

Poesia como dança mental organizada de acordo com um padrão individual de expressividade. O livre exercício de palavras que fluem soltas e se riem despreocupadas com a sintaxe imprópria na qual por vezes tropeça quem não olha para o chão. Não, o sentimento inexpressável pode ser liberto da sua tumba silenciosa de uma forma subjectiva e amplamente abrangedora: uma multiplicidade de aspectos pessoais intrinsecos não partilhados derivados de um vivência irrepetível corroem os andaimes que sustentam a precária edificação sináptica que apática desaba sob o fardo de um peso amado. Torna-se imprescindível agir no sentido de transmutar tralha em palavras de prata.

embalo

colapso

Eis que um dia o desabar inevitável de uma estrutura interna imperfeita ribomba pelos desfiladeiros estéreis de um deserto perdido nas dunas. Rasteja na poça de uma sargeta imunda a outrora brilhante forma, dos tempos esquecidos da ascenção, quando o amor transbordava dos homens e enchia barragens de felicidade. Agora o núcleo interno de um cerne formado em fecho cerrado colapsa sob o peso do próprio vazio, o nada imiscui-se nas finas reentrâncias de entranhas mentais microfracturadas vazadas de um propósito maior, e o vácuo, esse, insinua-se em amável subtileza e convida a beleza da presença de uma ausência para tomar chá.

extravasamentos

Extravasar é preciso. O que faz falta é animar a mente descrente que a si própria mente, desvendar o emaranhado intrincado de uma densidade complexa que se anexa a uma rápida modificação na percepção do mundo que nos rodeia, desembrulhar a sós os nós que a nós nos frustram, quebrar a corrente da pesada carga carregada pelos carreiros das montanhas do tempo.