terça-feira, janeiro 22, 2019

Garrafa

Espalhada alcoólica sensação vazia, enche a tripa calorosa e vaza a pipa calculista. Fria a estupefação mirabulante de sinuosa paisagem nua, tua a lua mirada à lupa de olho gigante disforme coroado por sádico sorriso insinuante, frustrante perda de rumo nautico, apático pateta atrapalhado à mercê de vontade alheia, primeiro semeia gotas depois colhe copos e depois mais copos mais copos só mais um copo só mais um cigarro só mais um momento de passageira descontração, só mais um intento de verdadeira conexão, sem razão, sem fuga, sem contração involuntaria do diafragma que interfere na natural fluência do discurso, sem ser um urso, só ser, sem ter, só ver, sem julgamento atormentado baseado em prévias experiências desconcertantes, perfurantes brocas de diamantes que estilhaçam o cérebro em mil pedacinhos luzidios de ideias perdidas fragmentadas memórias passadas fugidas coladas com o cuspo envenenado de uma rã amazónica. Dardo picado em pescoço esguio, fardo largado no fundo do rio. 

segunda-feira, janeiro 21, 2019

Exploração

Esmola dada a pedinte para alívio imediato de repetente consciência prevadicadora, sugadora implacável de soldo ganho à custa de suada labuta, incomodada por sentimento de exploração de apanhador de fruta, truta fisgada por fuga interna ao conflito exterior gerado por casmurra vontade férrea inabalável, afável na abordagem de assuntos sinistros comprometedores de suposta elevada integridade moral, que solta banal comentário ocioso após acto sexual não satisfatório, momento inglório de perturbadora perda de vontade no momento crítico, intensificado pela amarga culpa de não ter correta ação no momento certo, beneficiando o todo ao invés da porção atormentada por sua mesquinha esgrimada luta, persistente até à sua decadente queda e perda de todas as outras, por falta de um sentido prático de cooperação amistosa beneficiadora de um global compromisso estabelecedor de frutuosa relação simbiótica derivada de apoteótica ideia esclarecedora.   

domingo, janeiro 20, 2019

Beijo

Labios carnudos mordidos com  luxúria em espera impaciente por iniciativa alheia. Antecipação de lânguida fusão eufórica, erótica acção espôntanea em momento certo, choque de dentes no sôfrego instante de contacto, pacto de linguas dançantes, exploração de texturas macias frutosas, laborosas chamas bruxuleantes cardíacas, elevação súbita de humor acompanhado de tendência animada para desgarrada de piropos insinuantes, tiradas surrealistas afirmadas na mais profunda convicção absoluta da sua veracidade, piadas destabilizadoras de sentido, sem nexo, convexo olho estrábico desliza para baixo o ângulo de mirada de decote aberto, incerto palpitar rítmico de orgão musculado canalizado excedente de força anímica brotada de calorosa troca de fluidos salivares, capilares faciais dilatados, cedida tentação momentânea geradora de sonho que implica presença futura no caminho trilhado, amado instante recorrente na neblina da memória, início de história possível ainda não concretizada finalizada algures em momento incerto.

quarta-feira, maio 27, 2009

ambiguidade

Total ambiguidade a tua
Que te espreguiças em deleite
Criticas a inércia aceite
Por quem dela sua a faz

Pois ela não mais traz
Que o reflexo de um mal maior
Contrariado a custo de suor
Do corpo que jaz
Na Terra mítica

A atracção gravítica
Em sua prepotente altivez preponderante
Atraca na Terra mítica
A contida dinamica libertadora

Livres se fizermos tudo
O que pudermos
Para que tudo corra
Da melhor forma possível

O impossível
É viver leve
Se fizermos
Absolutamente
Nada


(...) no centro dela a certeza de que se pode pender para qualquer um dos lados. Por um lado fica-se sem saber muito bem qual o sentido da frase (...)

terça-feira, março 17, 2009

sonhos

O sonho acabou. Estrelas ardentes cadentes estatelam-se na poça encharcam-se e esfumam-se em poeira cósmica que assenta calma e serena com o lento passar dos anos. Paira no ar o silencio mudo do deslumbrar espectante pós cataclísmico. A catástrofe da perda perdida a preciosa pretendida imutabilidade da constância das afectividades. Inevitável persistência corrosiva da irreversibilidade dos actos passados pesados arrastados por sinuosos caminhos esburacados pela cadência dos passos apressados passados séculos. Esmagadora pressão biológica que nos força ao destino, não há fuga à estrutura mental entranhada que cospe emaranhados de pensamentos caóticos fragmentados em memórias fugidias. Ignóbil forma de estar na dolorosa ausência tua fechado face a portas escancaradas apelativamente luzidias que convidam à doce perdição da entrega total. E o tempo passa locomotiva mecânicamente movimentada a suor. Atrasado o trôpego atropelado vê clareza em seguir direcção determinada por acasos do destino que mostraram a visão de longo prazo que em urgência lhe sugere para a tentar acompanhar correndo lado a lado até ao ponto em que converge o infinito.

quinta-feira, novembro 06, 2008

sufoco

No momento critico chega-se ao ponto de fusão mental onde a psique explode para dentro, engole o seu próprio grito de sufoco atordoado e cai hirta por terra. Rasteja pelo esgoto putrefacto e implora ajuda aos transeuntes que se deslocam em rebanho e que a ignoram com desdenho. Chega o psiquiatra, homem de fato e gravata que diz que a vida é uma cascata onde águas passadas não movem moinhos. Cheio de falinhas mansas tanto falas que me cansas, fartos conselhos gastos e prescrições obsoletas, em quantos anos curarás as caretas provocadas por maleitas que refeitas atormentam? Sem resposta dada ocorre então de rajada a ebulicão do ego onde a euforia se expande roça o infinito e depois contrai-se ao ponto de se inverter. E quando isso acontece dói cá dentro. Dói por não haver espaco ou por o espaco ja estar ocupado pelos outros os que ja cá estiveram antes os desconstruidores do eu. Tanto amam como pisam, tanto falam como calam, ja tanto viveram que ja sabem o que vem depois. SHHhhhiuuu. Falem baixinho para eles não ouvirem, pois eles sabem que aqui estamos e do que nós precisamos deles. Pé ante pé até à beira do abismo. E ai acaba o ciclo para se iniciar uma nova era etérea flutuante. Até os pés atingirem o solo, depois do salto. Um salto alto para dentro de água gelada. E ai ficaremos aninhados nas ondas juntos eternos carentes molhados dispersos na espuma de areia enterrados.

quarta-feira, outubro 15, 2008

serão

Chá de menta, um cobertor, um sofá, uma televisão.
Descer
as
escadas
descalço
e de
robe e ir
buscar o cão.
chão de cimento frio áspero rugoso chão de cimento frio áspero rugoso chão de cimento frio áspero rugoso chão de cimento frio áspero mangueira chão de cimento frio formiga chão de cimento frio áspero bola chão de cimento frio cão áspero rugoso chão de cimento frio áspero pedra chão de cimento frio áspero rugoso chão de cimento frio áspero rugoso chão de cimento frio áspero rugoso
Ele ás vezes ladra quando faz frio lá fora.
Será que sente como a gente , certamente.
Será que toda gente sente como toda a gente sente como toda a gente sente como toda a gente como toda a gente sente como toda a gente sente como toda a gente sente como toda gente? Subir as
escadas
enregelado
e o cão enroscado no sofá. Á espera esta um chá de menta, um cobertor, um sofá, uma televisão. Que melhor forma de passar o serão?

quarta-feira, outubro 01, 2008

aviso

Atenção! É favor ignorar a pessoa nua sentada a defecar em frente a um espelho colocado no meio da sala . Perigo iminente! Pousem os pés como plumas com cuidado para não perturbar o denso equilibrio mental de quem se tenta concentrar em algo tangivel e maleavel ao toque do pensamento. O olhar que se foque no chão para nao causar fúrias irrompidas impetuosamente bruscas derivadas da ideia de confronto directo discordante com a atitude vigente. A respiração ofegante pode causar maleitas insuspeitas por provocar inesperadas deslocações de ar, controle-a ao ponto de se porventura colocar um espelho diante da boca, este nao se embaciará e o reflexo deverão ser nítidos pêlos do nariz humidificados pela condensação da agua corporal. Não nos responsabilizamos pelos danos que a pessoa nua a defecar em frente a um espelho colocado no meio da sala pode causar a pessoas susceptíveis de se confrontarem com a sua própria vulnerabilidade. Agradecemos no entanto a sua presenca e esperamos que esta experiência tenha deixado marca que possa mostrar e partilhar com quem lhe é mais próximo, e portanto que sirva para impulsionar futuras atitudes positivas.

terça-feira, maio 06, 2008

sonho

toc toc. -Quem é? -Sou eu. -Eu quem? -Eu sou tu. Acorda. -Vá lá, deixa-me dormir. -Nao, acorda que ja se faz tarde. A vida é um sonho e tens de acordar para o viver. - Mas o sonho ja eu o vivo aqui debaixo dos lençóis. Levantar para enfrentar este pesadelo é que não. Já disse, deixa-me em paz neste torpor anestesiante abraçado à minha almofada-nuvem. -Como queiras, depois nao digas que nao te avisei. Adeus. -Espera, vais já embora? -Sim tenho mais que fazer neste sonho de vida. Vou voar daqui para fora. -Mas e eu? Não me obrigas a levantar e a viver como um verdadeiro homem feito, completo e bem estruturado? -Não. A vida é um mistério, toda a gente tem de se erguer e lutar sozinha, depois partilhas com os outros aquilo que lutaste. Já dei o meu contributo, o resto é contigo. -Vou fazer a cama e deitar-me no sofá. E ai vou sonhar com o sonho da vida indefinidamente adiado.

sexta-feira, maio 11, 2007

nexo

Persegue-me a estranha sensação de já ca ter estado. Não um estar presente ofuscante, mas antes uma vela tremelicante no ventre duro das entranhas da terra. Na montanha, milénios de decomposição erodida flagelam sarcásticamente a encosta, no seio da qual escorrem límpidos rios de frescura matinal. Pudera que o retorno ao estado da sensação de ja cá ter estado reflectisse a erosão do estado de não saber onde estou. Assim a erosão do que sou poderia ser compreendida e por fim aceite, e com deleite poderia então bebericar da agua do rio de frescura matinal e deixar-me levar até ao mar onde flutuaria sobre as águas protectoras e balsâmicas até encalhar numa qualquer ilha perdida. Ai fundaria uma nova colónia de clones e teria apenas de lidar comigo mesmo. O caos rapidamente se instalaria uma vez que todas as falhas seriam amplificadas e a força da complementariedade da variabilidade das populações heterogéneas estaria ausente. Por isso digo que mais vale estar com os outros e não deixar nunca que introspecções despropositadas se intrometam no caminho da estupidez, que é viver sem ter realmente algum nexo tangível a que se agarrar com unhas e dentes, sem esquecer de cortar as unhas e lavar os dentes antes das refeições e depois da praia.

quarta-feira, novembro 22, 2006

substracto

Sei que a cada momento posso desleixadamente
perder tanto daquilo que tanto foi trabalhado a cada pesado dia que suado passei.

Só não sei se o sentido que dou à vida é real e se a imagem que tenho de mim corresponde à pessoa que sou.

Assim tudo aquilo que tanto foi trabalhado pode não passar de uma absurda forma de autovalorização desprovida de conteúdo.

E conteúdo o substracto denso do qual procuramos sorver autenticidade.

quarta-feira, junho 21, 2006

o caminho

Limpa a a garganta do obscuro escuro entalado e aclara os olhos límpidos lavados que o estado presente move-se e atropela o pranto. Caminhada hesitante enquanto descalço perante a pedra no solo, levantada pode ter bicharada escondida no escuro por baixo mas pode ser preciosa brilhante por cima e então ser fechada na mão e nunca mais ser largada. Pudera que o caminho agarrado fosse feito de uma só estrada- a recta magistral- percorrida a passo solto salpicado por pontuais saltitantes passadas largas até que de tão esticadas enrolam-se reboladas num corpo cilindrador de papoilas vermelhas onde mil abelhas dançam afundadas no pólen que as recobre imundas. Desenrola-se em passadeira desdobrada o caminho das leves flores vermelhas passado a ferro num berro, o abraço verde da comunhão com as folhas sorvidas pelo pedúnculo oco ocupado por clorofila fluorescente ascendente espalhada na boca explode o sabor aos grandes tapetes de estepes onde a murchidão espreita pelo canto do olho e suprime metálicamente o esgar efusivo de um qualquer malmequer espertalhão, a camomila cai prostrada a seus pés e esconde os estames por detrás de meia pétala rasgada e os estiletes partidos de uma melancólica túlipa cabisbaixa descansam encostados a um torrão de terra. É a guerra.

terça-feira, abril 04, 2006

manias...

Cada blogger nomeado tem de enumerar cinco manias suas, hábitos pessoais que os diferenciem do comum dos mortais. Além de tornar público o conhecimento dessas particularidades, terão de nomear cinco outros bloggers para participarem igualmente no jogo, não se esquecendo de deixar nos respectivos blogs, aviso do "recrutamento". Além disso cada participante deve reproduzir este "regulamento" no seu blog."
Não sei bem o que diga, bem, é o que for:
1-A seguir ao banho matinal tenho uma fase de grande entusiasmo, que pode, ocasionalmente, envolver alguns passos de dança.
2-Em grande contraste vem a fase de colocar a roupa, que implica por vezes longos periodos de quebra ( ficar a olhar para o vazio completamente imóvel).
3-Comprar roupa é uma tortura, demoro imenso tempo, dou imensas voltas, nuncas mais me despacho.
4-Muita gente junta faz-me confusão, gosto de calmaria, uma coisa de cada vez.
5-Perco imensos objectos pessoais fulcrais (nao sei do meu telemovel), esqueço-me de coisas importantes, sou um cabeça no ar.
E para finalizar, convido toda gente do blog Be Bop a Lula a expor todas aquelas manias que guardaram em segredo todos estes anos.

segunda-feira, março 20, 2006

aperto

Olá num dia de aperto de mão no qual a tal cumprimenta os dedos que se abrem em flor e em surpresa de espasmo vêem que nas pontas das unhas se reflecte um olhar terno invertido pela pessoa que aperta do outro lado do braço. Um traço visível possívelmente marcado seria que ao invés de o sorriso ser sempre rasgado até às rugas dos olhos e o aperto ser de força garrida constante perante qualquer situação, antes a mão denuncia o prevaricador de consciência que se afirma pela inconstância da força com que prime a mão que aperta, proporcional ao valor que atribui à peça que chocalha do outro lado do braço que balança consigo, embalado inimigo metódicamente tocado pela mecânica do sorriso macilento que em tónica de cimento fala e diz o que tem de ser o que é. Desenrola-se entretanto um teatro onde cada marioneta é o próprio fio que a sustenta prende e enlaçada em cruz de pau rodopia puxada pela meada entrelaçada que em rolo a enrolava que nem anzol em cana encalhada. Portanto o silêncio pode ser mais que ausência e menos que tudo, o que fica por dizer antes se concretiza na beleza da simplicidade de uma presença subtil, escapulida por funil infiltra-se por baixo das sombras que dançam no solo com suas damas as chamas pavoneadas esgueiram-se malandras por entre meandros ardidos.

domingo, março 12, 2006

"Tirem-me os deuses
Em seu arbítrio
Superior e urdido às escondidas
O Amor, glória e riqueza.

Tirem, mas deixem-me,
Deixem-me apenas
A consciência lúcida e solene
Das coisas e dos seres.

Pouco me importa
Amor ou glória,
A riqueza é um metal, a glória é um eco
E o amor uma sombra.

Mas a concisa
Atenção dada
Às formas e às maneiras dos objectos
Tem abrigo seguro.

Seus fundamentos
São todo o mundo,
Seu amor é plácido Universo,
Sua riqueza a vida.

A sua glória
É a suprema
Certeza da solene e clara posse
Das formas dos objectos.

O resto passa
E teme a morte
Só nada teme ou sofre a visão clara
E inútil do Universo.

Essa a si basta
Nada deseja
Salvo o orgulho de ver sempre claro
Até deixar de ver."

Odes de Ricardo Reis em Obra Poética de Fernando Pessoa

quarta-feira, março 08, 2006



m. direitos de autor copyright judia&co

quando

Desembolsada ausencia figura a tua renumeração tardia envolvida em bruma fria que tarda em chegar. Mordaz a bolsa vazia que faz da cabeça um fosso oco esventrado de um poço de areia ecoado em buraco de ar. Flutuas tu que tens a leveza de um bolso furado nas nuvens mas pesam-te nas mãos os calos de tanto andar a fazer o pino no chão de gravilha derrapada, desgastas as palmas e gastas as pilhas batidas derretidas na ponta da língua palrada no palco percurtido com cajado de madeira densa, o som ecoa por entre as pernas das cadeiras vazias e toda a gente sabe escondida por detrás das cortinas que o espectáculo da vida vai começar.

sábado, março 04, 2006

aquilo

Levas tantas que ás tantas nem sabes às quantas andas. Levas poucas que ás tantas nem andas com tantas que tens. Se tens muitas desvalorizas aquilo a que precisamente deves dar mais valor. Portanto deves ter cuidado para quando levares trazeres sempre daquilo que mais importante se torna.

fim

O fim. Por fim poderá enfim dos escombros erguer-se à altura dos ombros a base apoiada em massa de cal amassada a partir da qual um novo resfolegado princípio folgado poderá emergir.

sexta-feira, novembro 25, 2005

parto

O amor, a cola que nos une, união esboroada em solidão por quem não a escolheu nem assim nasceu, antes na vivência se imiscui na criança que persiste e nunca desiste pois não há maior força que aquela parida da mais vulnerável fragilidade.

quarta-feira, novembro 23, 2005

ciclo

O fim. Esse. Não virá nunca até o tempo jamais se gastar todo esgotado em toda a sua dimensão infinita e não houver mesmo mais nada a fazer com as migalhas perdidas sopradas que restarem por aqui. A dor. Essa não cessará jamais enquanto o tempo todo se perder em o que não é complementação de estrutura psíquica interna formada ao sabor do andar sem pensar e do ir sem ver o tempo chegar. Mas quando ele chega estende a bandeja das migalhas onde já não sobra senão grão de poeira passada de tempo esquecido em fútil chapada de investimentos não complementadores, daí as dores. O princípio. Esse já foi à tanto e já tanto acumula e sobeja na sábia forma da estrutura biológica que obedecer-lhe ao caminho traçado é a questão premente, mas por vezes o dedo torcido apontado mente, o sentimento indica várias vias possíveis caminháveis mas viáveis só uma a correctamente seguida será coroada de glória e é nessa que começa a história, o ciclo, o retorno ao que tem de voltar a ser, pois a glória esbate-se esfuma-se dilúi-se com a suave mas empedernidamente rija constante brisa da lenta passagem do tempo.

quinta-feira, outubro 27, 2005

o pastor

Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer o modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar -se e ser eu, não Alberto Caeiro,
Mas um animal humano que a natureza produziu.

Fernando Pessoa, em " O guardador de rebanhos"

sexta-feira, outubro 21, 2005

miragem

Mira a paisagem abraçada num longo esticar de braços. O peito insufla-se daquela essência do verde que só cheirado se beija. Subido o cone vulcânico dormente em alcova de lava enfim o espaço e a côr em doses de natureza transformada mas mantida. Homens minúsculos seguem o rumo à muito traçado onde o acumulado do que já tanto passou antevê o que para aí vem, empurrado pelo que foi e de olhos colados aos seus, aqueles que o rodeiam o amam e lhe dão sentido. A calma paira em estática ausência de movimento . A ilha um quadro gelado em seu bucólico instante. Transparência de brisa inalada limpa interiores conspurcados de organismo urbano vivido, enchida a bochecha cuspido sem dó o pó dos livros, os pixels televisivos, as teclas de letras gastas e o afecto ondulante em sua inconstância balançante de proximidade e distância, o vai-vem da maré que persegue a lua. Falua, será que um dia a apanha? Se nunca desiste e se persiste em sua demanda infinita, terá algum dia a paz que teimosa teima em furtar da vista o seu direito ao esplendor? E o deslumbramento da beleza da complexidade do universo, quem o afaga, quem o mantém? Ninguém? Mas o verde persiste. E o espaço que ele ocupa no mar que o rodeia. É terra cercada pelo mar da erosão que a consome. Não se rende. Nunca desiste. Persiste em sua demanda e retalia no sangrar tectónico das placas que se movem e empurram a rocha líquida para cima, para onde o mar corrói vulcão, canhão de luta fera bruta range o dente à fúria do mar picado. Por vezes cansada descansa aos poucos avança sem pressa mas sem tempo a perder. Porque perdido o tempo o que restou do momento? Só as sobras das obras que já foram lavadas pelo vento de tudo o que já passou. E o instante de olhada a paisagem voltar à miragem.

terça-feira, setembro 20, 2005

quebranto

Requebra na testa o encanto fugaz de sua passagem nítida desfocado perifericamente todo o espaço que não ocupa, banham-se os lábios no luxo da sua fragância tangível, trinca-se no ar a densidade poderosa de quem borrifa de espuma em carícia de pluma a face de quem a fita: réplicas ondulatórias do impacto surdo da sua chegada ecoam por entre as pernas tremelicantes fraquejadas no estalo da aparição em que nem se viu a mão só a perda de presença do tempo que corre e escorre até que morre nos braços do espaço, não adianta o que digo ou faço, tamanha façanha que fosse seria tacanha prendada no altar da base rente ao pé do pedestal onde se encontra a incognoscível entidade pura segura em sua pose possante de princesa altiva, furtiva lebre campestre esquivada da quase agarrada pata felpuda, saltita e o coração imita em seu palpitar cadenciado o ritmo respiratório fervente de tamanha energia condensada em corpo exaltado de escaldante mulher de mente linda que finda a resistência quebradiça de quem ousa. A porta à muito fechada dobra a custo empenada dobradiça ferrugenta prévia ao óleo da sua chegada que esconde o momento impossível do seu toque inatingível pela potencial volatilidade da calma que ainda não paira .

quinta-feira, setembro 08, 2005

etérea

Abram-se as alas do presente que o futuro é de graça e o sonhado de outrora irrompe em chegada hora de pleno pulmão aberto em espremida consumada ânsia que rebenta em marrada de touro elegante estouro estilhaça dique de contido pressionado deslumbramento jorrado em espampanante dispersão aérea, etérea é a forma que se forma no instante do flash único de carimbado arrepio mnésico remniscente em longo suspiro nos dias de estagnação.

domingo, setembro 04, 2005


s.

reverberante

Saem estufadas do forno as rosadas bochechas suadas de tenra iguaria luzidia de traseiro pomposo, soam as cornetas em toque de levedura fermentada e a passadeira vermelha é desatadamente estendida ao comprido no chão: passos compassados milimétricamente medidos manipulados por imagem de desmesurada altivez pousam os pés que comandam como pena assentada em excessiva leveza, frieza glaciar no olhar fixante no ponto para lá das paredes que não fitam nem ouvem os olhos de quem a vê, reverba sonante uma esfera com foco nela que afecta todos os presentes que ausentes se aninham dentro dela e flutuam tanto mais alto e distantes quanto mais próximas e errantes as mentes partidas passadas sofridas cansáveis dos inapagáveis desperdícios voláteis de oportunidades vertiginosas, pegajosas memórias pretas compostas por óleos petrolíferos persistentes provenientes de cargueiros carregados de cargas gastas de revistas redundâncias recicladas em cíclico perpetuado movimento. Nunca esquecer o momento do deslumbrado olhar descaído perplexificado em estática implosão iminente de diferente que é e toca e ama e rasga a película aderente que cobre o suposto real aparente oficialmente aceite como tal ao perto mas não ao longe onde se vê claro o véu que nos abraça forte de tamanho porte que em dia límpido vestido de azul quando o horizonte se explora fácil de olhos em bico e mão em pala o frágil manto neblinoso nos embrulha em sua fictícia amabilidade e untuoso nos abafa com carinhos a fogueira da vaidade que ao longe ofusca mas em sua busca desenterrei apenas amontoado de lenha húmida e um pacote molhado de fósforos gastos ao lado.